Morre Hermeto Pascoal: Lenda da Música Brasileira

Hermeto Pascoal, uma lenda da música brasileira, nos deixou aos 89 anos. Descubra seu legado e impacto na história da música brasileira que continua a inspirar gerações.

TRENDS BRASIL

SERGIO DUARTE - RADIALISTA CARIOCA

9/14/20254 min ler

hermeto pascoal
hermeto pascoal

Quando o Último Mágico da Música Brasileira Guardou Seu Acordeom

Imagine por um momento que você pudesse conversar com os sons. Que cada objeto ao seu redor tivesse uma melodia escondida, esperando alguém com ouvidos especiais para descobri-la. Hermeto Pascoal, que nos deixou no sábado (13) aos 89 anos, viveu exatamente nesse universo paralelo onde panelas são instrumentos, onde porcos têm conversas musicais e onde a genialidade dança perigosamente perto da loucura.

O alagoano de Lagoa da Canoa não era apenas um músico – era um tradutor de uma linguagem que só ele parecia dominar fluentemente.

O Menino Que Ouvia Música no Silêncio

Nascido em 1936 no interior de Alagoas, Hermeto cresceu num mundo onde a música precisava ser inventada, não apenas tocada. Você já reparou como algumas pessoas nascem com superpoderes estranhos? Umas enxergam cores que outros não veem, outras conseguem calcular números impossíveis de cabeça. Hermeto nasceu com a capacidade de encontrar música literalmente em qualquer lugar.

Sua infância foi uma sinfonia de descobertas. Enquanto outras crianças brincavam com brinquedos convencionais, ele transformava baldes em tambores, garrafas em flautas, e qualquer superfície disponível em potencial instrumento percussivo. Era como se o universo tivesse depositado nele uma missão específica: mostrar ao mundo que música não tem limites, não tem regras fixas, não tem fronteiras.

(E que missão mais linda para se carregar pela vida, não?)

O acordeom chegou às suas mãos quando era ainda adolescente, mas mesmo esse instrumento "convencional" ganhou dimensões impossíveis sob seus dedos. Hermeto não tocava acordeom – ele conversava com ele, brigava com ele, fazia poesia sonora que deixava plateias inteiras em estado de transe.

Entre o Gênio e o Incompreendido

Confesso que sempre me fascinou essa linha tênue entre genialidade e excentricidade. Hermeto dançava nessa corda bamba com uma elegância quase desrespeitosa. Suas performances podiam incluir desde composições matematicamente perfeitas até momentos em que ele literalmente conversava com animais – e eles pareciam responder em suas próprias linguagens musicais.

Miles Davis, nada menos que Miles Davis, o chamou de "o músico mais impressionante do mundo". Isso vindo de uma lenda do jazz não é apenas um elogio – é quase uma coroação musical. Mas Hermeto nunca se deixou intimidar por títulos ou reconhecimentos. Continuou sendo aquele menino curioso do interior que via música onde ninguém mais conseguia enxergar.

Sua "música universal" transcendia qualquer categorização. Jazz? MPB? Experimental? Hermeto era todas essas coisas e nenhuma delas ao mesmo tempo. Ele havia criado um gênero próprio, uma linguagem musical que funcionava como esperanto sonoro – incompreensível na teoria, perfeitamente claro na emoção.

Em 2024, aos 88 anos, ainda lançou "Para você, Iza", dedicado à sua primeira companheira. Um homem que havia passado décadas explorando os sons mais experimentais do planeta parou para criar uma declaração de amor musical. Porque, no fundo, mesmo os gênios precisam de momentos de ternura pura.

O Último Acorde de uma Sinfonia Infinita

Internado desde 30 de agosto no Hospital Samaritano Barra, no Rio de Janeiro, Hermeto faleceu às 20h22 de falência múltipla dos órgãos. Os números são frios, clínicos, definitivos. Mas e depois? O que acontece quando alguém que reinventou nossa forma de ouvir o mundo decide parar de tocar?

Neste fim de semana, ele tinha show marcado em Belo Horizonte. A vida, às vezes, tem um senso de timing cruel demais para ser coincidência. Mas talvez seja mais poético assim – Hermeto partiu deixando a impressão de que ainda tinha música para dar, ainda tinha sons para descobrir, ainda tinha conversas pendentes com objetos inanimados.

Ele deixa seis filhos, 13 netos e dez bisnetos. Uma família grande o suficiente para formar uma banda completa, com direito a coral. Mas seu verdadeiro legado ultrapassa os laços sanguíneos. Cada pessoa que um dia ouviu um som estranho e pensou "isso poderia virar música" carrega um fragmento do espírito hermético.

A Música Que Não Morre

Você já notou como certas pessoas mudam para sempre a forma como vemos o mundo? Depois que Hermeto te ensina que uma panela de pressão pode ser um instrumento percussivo sofisticado, você nunca mais olha para sua cozinha da mesma forma. É uma espécie de despertar musical irreversível.

A família pediu que, quem desejar homenageá-lo, "deixe soar uma nota no instrumento". Que conselho mais hermético poderia existir? Não flores, não coroas, não discursos solenes. Apenas música. Apenas a continuação daquela conversa infinita entre sons e silêncios que ele manteve por 89 anos.

Agora, quando você ouvir um barulho inusitado na rua, quando a chuva criar um ritmo interessante na sua janela, quando algum objeto da casa produzir um som inesperado, lembre-se do alagoano que transformou o mundo inteiro num palco musical gigantesco.

O Eco Eterno

Na verdade, pensando melhor, será que músicos como Hermeto realmente morrem? Ou eles apenas mudam de estado, transformam-se em influência, em inspiração, em uma forma diferente de perceber a realidade sonora que nos cerca?

Toda vez que alguém experimenta criar música com objetos inusitados, Hermeto está ali, sorrindo naquele jeito meio malicioso de quem conhece segredos que o resto do mundo ainda está descobrindo. Toda vez que um músico quebra uma regra "estabelecida" e cria algo genuinamente novo, ele está canalizando um pouquinho daquele espírito inquieto que nunca se conformou com definições convencionais.

O bruxo da música brasileira nos ensinou que arte não tem limites, que criatividade não tem regras fixas, e que a música mais bonita muitas vezes mora nos lugares mais improváveis. Hermeto Pascoal partiu fisicamente, mas sua música universal continua ecoando em cada som novo que alguém ousa descobrir.

E isso, queridos ouvintes, é um tipo de imortalidade que nem todos os hospitais do mundo conseguem interromper.

Elis Regina & Hermeto Pascoal

Asa Branca - 13th Montreux Jazz Festival.

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